sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Aarophat & Illastrate - Black Noise


Como dito por um blogueiro americano, é impressionante como todo ano surge um monte de álbuns aparentemente do nada, com artistas relativamente desconhecidos, e que acabam fazendo bastante barulho. Outra teoria, essa deste humilde escriba, é de que o rap nos EUA é que nem o samba ou o futebol no Brasil. Há qualidade em profusão, mesmo que ninguém nunca vá conhecer aquele seu vizinho camisa nove que barraria facilmente o Obina. Assim, provavelmente você nunca conheceria a dupla Black Noise, formada pelo emcee Aarophat e o beatmaker Illastrate. Mas acredite: eles barrariam sem maiores problemas muitos "medalhões" do Rap. E "Black Noise", o disco, é a prova disso.Illastrate talvez seja mais conhecido, por já ter contribuído com produções para outros nomes alternativos - a ótima Tiye Phoenix, por exemplo -, enquanto Aarophat foi descoberto por Rasco, dos Cali Agents. Segundo reza a lenda (e o release dos caras), tanto emcee quanto produtor se encontraram apenas 14 horas antes de começarem a gravar o disco. Se isso for verdade, então a química dos dois é realmente perfeita, tipo almas gêmeas feitas uma para a outra.Tudo isso porque as rimas diversificadas e o flow agressivo e confiante de Aarophat casam perfeitamente com os instrumentais imaculados do pequeno monstro que atende pelo nome de Illastrate. Após ouvir a primeira faixa do álbum, você terá a certeza: nenhum disco neste ano, quiçá nos últimos anos, foi abençoado com baterias tão boas. Não à toa, o carro-chefe da produção de Illa são as chamadas "dirty drumz", ou seja, "baterias sujas". Aliás, é clara a proeminência de caixa e bumbo no mapa dos instrumentais; os samples são relegados a segundo plano, apenas complementam o espetáculo da batida. Acredite: há muito tempo você não balançava a cabeça para um beat do jeito que irá balançar para os presentes em "Black Noise".Assim, sob o comando das caixas de Illastrate, Aarophat tem um grande desafio: um emcee apenas correto manteria o nível alto, mas um cara inspirado faria do álbum um clássico. Infelizmente, mas de forma compreensiva, o pobre rapper fica no meio do caminho. Com voz e levada bem parecidas com a de Sean Price, Aaro ainda não atingiu a mesma igualdade em termos de letras. Ainda assim, ele brilha em faixas como "Midwestkids", a carta de apresentação da dupla, com uma linha de baixo densa e um refrão cantado pelo emcee com facilidade incrível; "Watchagunnado", uma levada reggae que se apoia nas rimas intricadas de Aaro; e "Ghetto2Ghetto", a já tradicional canção tratando das agruras das classes baixas.Outros destaques incluem o pancadão supremo do disco, "Chips". As caixas são tão pesadas que sua reprodução em sistemas de som poderosos deve ser ministrada com parcimônia. "In The Trunk" é uma pororoca no meio das costas leste e oeste. O batidão pesado nova-iorquino dialoga com os sintetizadores G-Funk de uma forma impossível de se imaginar na época de Tupac Shakur e Christopher Wallace. Ah, e torça para que o refrão não grude na sua cabeça por alguns dias.Enfim, "Black Noise" é um álbum que não pode ser desprezado. O trabalho de Illastrate na produção é realmente impecável, dada a direção que ele escolheu dar e a forma como ele conseguiu executá-la perfeitamente. Não é exagero dizer que a estrela do disco é a bateria de todos os beats; todo o resto gira ao redor disso. Ainda assim, o projeto acaba não tendo nenhum single de destaque, sendo recomendado, pois, que se ouça as 14 faixas em sequência. Porém, diferente do último álbum resenhado no blog, este não é para ser apreciado enquanto relaxa. Tente coisas com mais adrenalina, como um basquete na rua, uma sessão de espancamento no irmão menor, uma corrida da polícia...
Tio Scooby ecoa em Porto

Tio Scooby é um emcee/deejay/beatmaker de Porto Alegre, e já está há quase dez anos na cena - fez parte de grupos como Defensores da Rima Ofensiva, além de integrar atualmente o Emepê4 e o Projeto Último Palito. Recentemente, o cara lançou um EP, chamado "Dois Real (Breve nos seus fones)", com o apoio do pessoal da 457FM. O trabalho conta com beats de Digestivo, TiagoBeats, Jones Beats, do venezuelano Jonathan Armada, além de produções do próprio Scooby.Central Hip-Hop

(CHH): Conte um pouco da sua correria.Tio Scooby: Em primeiro lugar, obrigado pelo espaço e o convite pra trocar essa idéia. Estou com um trabalho solo, intitulado "Dois Real (breve nos seus fones)". Eu estou envolvido com o Hip-Hop desde 1996, quando montei meu primeiro grupo, junto com dois amigos, na Vila Jardim, na zona leste de Porto Alegre, depois de ver um festival na Usina do Gasômetro, com vários grupos, inclusive um da minha área, que eu nem sabia que existia.

CHH: Fale sobre a produção do CD.Tio Scooby: A produção foi uma coisa meio maluca. Eu tinha algumas letras escritas e algumas batidas, queria fazer um registro disso. O Rodrigo Piá, meu amigo, um futuro ótimo produtor (risos), foi o grande responsável pela organização e gravação do EP. Escolhemos as músicas, organizamos as batidas (melhor, ele organizou, por que ele é o cara organizado aqui) e os dias em que gravaríamos e o que gravaríamos. Levamos duas semanas para captar as vozes. Na parte das batidas tem algumas que são minhas, duas muito boas do Digestivo, uma muito louca do TiagoBeats, que é um guri do interior do RS, a intro é do meu parceiro JonesBeats e um interlúdio do Jonathan "Craz" Armada, que é um maluco da Venezuela, pra quem eu produzi uma batida também. A mixagem foi feita por mim e o Rodrigo Piá. Ele me ajudou em algumas faixas, mixei mais algumas em casa, mas sempre estivemos na sintonia, até a conclusão do EP. A capa foi desenvolvida pelo Kico, da NSK Crew, que é uma rapaziada talentosa pra caramba com as cores aqui em Porto Alegre.

CHH: Qual estilo de Rap que você faz? Como são suas composições?Tio Scooby: Estilo? Na verdade eu ouço várias músicas, gosto de músicas boas. Aprendi a gostar de música boa. Vou escrevendo conforme a batida me inspira. Me identifico com o Rap que meu ouvido acha bom. Na verdade eu sou meio pesquisador, eu gosto de descobrir vários Raps, gosto bastante dos franceses, gosto dos suecos do Loop Troop Rockers, tem um grupo alemão que gosto também, o Blumentopf. Tenho contato com o pessoal da Venezuela que faz um Rap por lá. Sei lá, escuto de tudo um muito, até porque, hoje, a tecnologia nos dá a possibilidade de acessar muito conteúdo em pouco tempo. Isso de certa forma é bom, muito bom, mas ainda precisamos aprender a usar.Acredito que não devemos forçar a música, a inspiração vem ao natural. Tem um som do EP, chamado "Verdades", que o pessoal aqui em Porto Alegre gosta bastante, que eu escrevi na aula, meio de cara com o Rap na moral, pensando em várias coisas, pensando no meu filho Caio, pensando que eu tava na faculdade, pensando que o Rap, desde que comecei a fazer, tinha mudado muita coisa na minha vida, que várias pessoas não gostam de Rap, pensando nos grafittis nas ruas, nos B.boys, que são duas coisas que me mantém ligado ao Hip-Hop, pensando nos DJs e pseudo-DJs. Então, as letras saem conforme o momento. Cada letra expressa um momento. Cada frase que o cara escreve tem quer parte da vida dele, saca? Se for pra mentir que faça outra coisa, menos Rap. Não posso fazer vários Raps de festa se eu não vivo só em festas. Eu falo bastante da rua, mas é porque eu passo maior parte do meu tempo na rua, correndo atrás de várias coisas. Falo de sentimento, de coisas que aconteceram comigo e vários malucos chegam e dizem, “ae Tio, esse som Última Questão é foda, me identifico pra caramba com ele” outros gostam do "A Nada", por causa do refrão meio engraçado, mas é uma coisa real, que foi quando eu briguei a primeira vez com a mãe do meu filho saca? Se não for real, não funciona!



CHH: Como é a cena em seu Estado? Quais grupos se destacam?Tio Scooby: No Rio Grande do Sul a cena já foi muito melhor, quando comecei principalmente. Hoje tá complicado em qualquer lugar, não só aqui no sul. Mas ainda sou de cara com a falta de atitude da rapaziada por aqui. Quem faz Rap precisa saber trabalhar o Rap como música. Tem que colocar trabalho nas ruas, mas trabalhos de qualidade. O "Dois Real...", por exemplo, não teve uma mega estrutura para ser gravado, mas, nas condições que a gente tinha pra fazer o EP, e tem um grande time por trás disso tudo (Rafael DePraxe, Nego Léo, LecoWins, Pedrinho, Dinei, Jow, Tigrão, amigos e amigas especiais) a gente deu o nosso melhor. Hoje, a gente tem uma preocupação em montar um estúdio massa, pra gravar os trabalhos com mais qualidade. Tudo é uma evolução e essa evolução tem que aparecer, porque sem produto não há mercado, sem mercado não há espaço. Então como é que vou reclamar que não tem espaço se eu não tenho um trabalho para apresentar, saca?Aqui tem vários grupos que se destacam tipo o Dependentes, que foi o grupo que me levou ao Rap porque era da minha área e, ali, eu me identifiquei mesmo com o lance, são muito bons no que fazem. O Profetta é um cara que faz muito barulho aqui, o Nego Prego que é um cara que conheço desde que comecei a fazer RAP também tem trabalhado e conquistado muita coisa, e merecidamente. O Da Guedes foi o grupo que colocou o Rap de Porto Alegre no mapa quando lançou um disco muito foda pela trama, talvez o melhor disco de Rap na época. O Episódio 1 é uma gurizada nova que tem feito um Rap mais atual, mais voltado à esse Dirty South e ao Crunk e tem um público da hora. O Emepê 4, projeto do qual eu faço parte, também tem um respeito por aqui, de um lado mais alternativo.Tem uma gurizada no interior que faz barulho também e a rapa que faz freestyle, que produz umas batidas, os DJs, os B.boys os grafiteiros.

CHH: Então, o que falta no cenário Rap da sua região atualmente?Tio Scooby: Falta um pouco de espaço e visibilidade. Falta nego levar a parada a sério como poucos tem levado e pensar primeiro em fazer um trabalho de qualidade, depois pensar na recompensa. O Rap não é só corrente de prata e roupas coloridas!

CHH: Você acha que o Rap do seu estado tem dificuldades em se expandir pelo Brasil?Tio Scooby: Com toda certeza. A gente ta aqui em baixo, na outra extremidade do país, bastante afastado do centro. Se pra nego do centro já é difícil, pra gente aqui é tipo três vezes mais, saca? Eu vejo um monte de grupos virem de fora pra fazer show aqui em Porto Alegre, todavia, não vejo ninguém sair daqui pra fazer shows em outros Estados. Pra falar a verdade, eu desconheço o destino das coisas, portanto, trabalhamos hoje, pra ver o que será do amanhã. Sem trabalho não há produto, sem produto não há mercado, e sem mercado não há espaço.

Valeu pelo espaço. Vida longa aosverdadeiros e, um salve aos parceiros que o Hip-Hop colocou no meucaminho, de Porto Alegre e do mundo!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009